Em Fenômenos da Linguagem: reflexões semânticas e discursivas, o professor e pesquisador Luiz Antônio Marcuschi, grande mentor de discussões teóricas pioneiras no Brasil, apresenta reflexões acerca de temas polêmicos da linguística, nomeadamente aqueles acerca das relações entre sentido e contexto. O livro acomoda oito artigos escritos em momentos distintos, cuja afinidade temática é percebida mediante as inquietações do autor. Já na apresentação, feita com bastante propriedade por Dino Preti, linguista também sensível aos estudos linguísticos, e que, como Marcuschi, representa o pioneirismo desses estudos no país, há uma visão geral do conteúdo dos artigos. Preti contextualiza a formatação do livro, de tal sorte que possamos entender a relação temática vinculada ao nascedouro dos artigos (1).
Referimo-nos, aqui, aos artigos na sequência em que aparecem, e o relato por nós proposto serve muito mais para uma orientação de leitura, a qual, com certeza, não é a única. Mesmo porque os artigos não se somam numa progressão temática; representam, conforme já dito, inquietações do próprio Marcuschi diante da grande polêmica posta sobre a questão do sentido. Os dois últimos artigos, inclusive, acenam para um exercício de análise significativo, que revela a complexa teia de sentidos que se forma diante do discurso.
No primeiro capítulo, intitulado Aspectos Problemáticos numa Semântica Lógica para Línguas Naturais, o autor apresenta a controvérsia sobre a relação entre as línguas naturais e as artificiais dos lógicos. Observamos, inicialmente, a importância das notas de rodapé. Essas cunham um tom de esclarecimento, mas também fornecem rico roteiro de leitura sobre teóricos que lidam com a temática em pauta. Percebe-se, também, uma clara investida na tentativa de elucidar a fragilidade presente nas diversas tentativas, já ocorridas, de abordar a semântica num encaminhamento formal ou por meio de modelos formais.
Em A formação de conceitos como questão semântica, Marcuschi desenvolve reflexões sobre investigações empíricas originadas em Vygotski, com foco em Pensamentos de Linguagem, com o interesse de verificar aspectos críticos na semântica e na psicologia. A atenção centra-se no termo "conceito", ou melhor, na "formação de conceitos como uma questão semântica". O autor acompanha a proposta de Vygotski, em sua tese central: o conceito não é um dado, mas sim o desenvolvimento complexo do significado das palavras. Marcuschi (2007) insiste na ideia de que a linguagem é um meio de comunicação e interação social.
Em Interação, contexto e sentido literal, Marcuschi toma como aspecto central de suas reflexões a dicotomia sentido do enunciado e sentido do falante. Para ele, os itens lexicais são ações recorrentes que identificamos e não são representações de coisas. Percebe-se uma discussão sobre a noção de sentido literal, praticamente recorrendo-se a Giora (2003). Por fim, são vistas com reservas as dicotomias sentido do enunciado e sentido do falante, assim como sentido literal e sentido contextual, já que ambas são maneiras de se ver o funcionamento da língua dentro de um contínuo. Nessa proposta de discussão, o sentido é fruto de uma operação complexa, por meio de signos na relação com ações situadas socialmente, e não o resultado de instruções que os signos portam em si mesmos.
Em Tópicos de análise da conversação: notas sobre a noção de relevância condicional, logo de início, o artigo é contextualizado em nota de rodapé. Promove uma discussão acerca de a interação verbal estar ou mais atrelada à noção de causalidade linear ou à noção de processo. Centra-se a atenção na noção de par adjacente e toma-se como aporte de discussão o artigo Relevância Condicional, de Dascal (1982). Em termos de pares adjacentes, e com referência ao termo relevância condicional, tem-se uma relação em que se acha envolvida uma inferência pragmática cuja justificativa não é a mesma que em outros tipos, como, por exemplo, nas inferências lógicas. Explica Marcuschi que, numa mesma cultura, camadas sociais diversas apresentam maneiras diferentes de se portarem na produção de pares adjacentes, os quais não seriam devidos a alguma determinação apriorística: trata-se de um sistema de negociações, em que entrariam em jogo a relevância do conteúdo e as expectativas e conhecimentos mútuos. Sendo assim, a relevância condicional em pares adjacentes revela relações processuais e não de conteúdo.
Em A Arte de definir, o autor tece comentários sobre a obra Definições: termos teóricos e significado, de Leônidas Hegenberg, lançada em co-edição pela Editora da Universidade de São Paulo e Editora Cultrix. Ele entende que Hegenberg registra o estado atual do problema da definição na filosofia sistemática contemporânea. Vê como um fator positivo a forma minuciosa e didática com que são retratadas explicações de cunho terminológico. Fica a reflexão de que as definições são artifícios mnemônicos que se prestam para uma primeira análise dos termos sob o prisma dos significados, mas que exigem suplementação praticamente interminável.
Em A propósito da metáfora, tem-se o resgate de um ensaio escrito em 1975, refeito em 1978, e publicado na revista Pórtico em 1984. Objetiva-se mostrar que a metáfora transcende o patamar de simples fenômeno linguístico de natureza semântica. Para o autor, a criatividade não se acha no nível dos símbolos linguísticos, mas no nível da atividade que produz o conhecimento que os símbolos transmitem. Há criatividade naqueles atos de fala que traduzem o que foi criado à margem do instituído. A metáfora seria o foco para a identificação de um mundo que a linguagem conceitual apenas tenta "reorganizar", pois se funda na capacidade criadora intuitiva, e não em pensamento analítico ou lógico.
Em Notas sobre a interjeição, a interjeição é observada na prática discursiva. Para tanto, trabalha Marcuschi faz uma incursão pelas gramáticas tradicionais e percorre aspectos teóricos que acenam para o fato de que as interjeições apresentam funções discursivas características. Discursivamente, as interjeições são importantes por criarem um clima de maior naturalidade e espontaneidade, são intencionais e se situam na esfera da interação e do desenvolvimento.
No último artigo, denominado A ação dos verbos introdutores de opinião, explica sua intenção de proceder a uma análise dos verbos que introduzem opinião no noticiário político de jornais diários. No caso deste artigo, confessa que o estudo é de teor explanatório e considera uma amostragem reduzida, sem pretensão à exaustividade. Demonstra o funcionamento de tais verbos como estruturadores da informação e, para tanto, considera dois tipos de discurso, o do poder e o popular. Diante da análise processada, apresenta-se uma classificação dos verbos estudados, tomando-os com a função de tecer os argumentos.
Diante dos breves comentários apresentados, é possível perceber que Fenômenos da Linguagem: reflexões semânticas e discursivas representa um espaço de reflexão referente a termos e conceitos que são sempre foco de controvérsia. Deve-se, também, reconhecer a relação que existe entre os três primeiros artigos que compõem o livro, e seria prudente atrelar a leitura dos três, pois o que se entende por semântica esbarra na questão dos conceitos que são então avaliados pelo autor. Termos como interação, contexto e sentido literal são considerados na reflexão que se estabelece sobre a relação entre semântica e discurso.
Os outros artigos sugerem que sejam revisitados os três primeiros, por meio de uma revisão conceitual de termos como metáfora, de questionamentos acerca da ação de definir, ou mesmo com relação a traços relevantes em pares adjacentes. Os dois últimos textos colaboram para a revisão de conceitos, entre eles o de articulador textual.
A obra aqui resenhada é instigante e serve para a releitura de algumas tendências teóricas, bem como sugere a reavaliação de conceitos que são utilizados com significados distintos. Por isso, pode render momentos de discussão e testagem de propostas teóricas.
Por fim, é ainda preciso dizer que a obra é mais um presente de Marcuschi. Tem-se, por meio das indagações, um impulso para releituras e também para leituras de obras interligadas à grande temática, postas como tal a partir da sensibilidade e experiência do autor.
Received on October 03, 2008.
Accepted on October 03, 2008. Referência
DASCAL, M. Relevância conversacional. In: DASCAL, M. (Org.) Fundamentos metodológicos da linguistica: Pragmática. Campinas: Unicamp, 1982. p. 105-131, v. IV.
GIORA, R. On our mind. Salience, context, and figurative Language. Oxford: Oxford University Press, 2003.
MARCUSCHI, L.A. Fenômenos da Linguagem: reflexões semânticas e discursivas. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. (Série Dispersos).
(1) Lembro-me de um dos encontros da ANPOLL, e que Marcuschi questionava, em sua apresentação no Grupo de Trabalho Linguística do Texto e Análise da Conversação, se havia mesmo um sentido literal. Lembro-me do desconforto gerado por tais inquietações, as quais têm rendido frutos em várias publica ções do autor.
Aparecida Sella Feola
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Letras, Centro de Educação, Comunicação e Artes, Campus de Cascavel, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Rua Universitária, 2069, 85814-110, Cx. postal 711, Cascavel, Paraná, Brasil. E-mail: afsella1@yahoo.com.br
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